sábado, 10 de setembro de 2011

Novo remédio para controle da diabetes está sendo usado para emagrecer e gera polêmica

Veja abaixo texto de Reinaldo José Lopes, postado no Blog da Folha de São Paulo (Blog Ciência - Laboratório), sobre a polêmica reportagem da VEJA ("PARECE MILAGRE!"- edição 2233 de 07/09/11).



Sou obrigado a adotar o dialeto do padre Quevedo (aquele que dizia "eso no ecziste" para derrubar supostos donos de poderes paranormais na TV) diante da reportagem de capa da revista "Veja" desta semana. Os colegas da publicação infelizmente adotaram expressões como "Parece milagre!" e "bala de prata" para se referir à liraglutida, medicamento antidiabetes que está sendo usado como remédio para emagrecer, com resultados impressionantes. Vamos deixar as coisas claras: bala de prata no ecziste; milagre, só com intervenção divina.

O mais estranho é que a reportagem da "Veja", em grande parte, claramente fez a lição de casa. Explica de forma límpida, por exemplo, a ação da liraglutida, que imita um hormônio ligado à sensação de saciedade e à produção de insulina. A questão é que ela assume, com base em evidência anedótica -- basicamente relatos isolados de pacientes e médicos -- e estudos pequenos para os padrões internacionais de segurança, feitos com algumas centenas de pessoas, que a droga, sozinha, provavelmente é a solução para a obesidade e o excesso de peso. (Pelo menos o texto evita jurar de pé junto que ela já é a solução. Já é alguma coisa.)

Alguns probleminhas que uma reportagem menos ávida em provar a própria tese deveria levar em conta:

1) A droga é injetável, e tem de ser injetada pelo próprio paciente diariamente. Para qualquer tratamento de qualquer doença, esse é um obstáculo considerável à adesão por parte dos pacientes.

2) O medicamento está no mercado (para diabetes) faz dois anos na Europa, um ano nos EUA e só três meses no Brasil. É muito pouco tempo. É notoriamente difícil conhecer a fundo os problemas que uma substância pode causar sem que ela passe pelo teste do uso crônico (por longos períodos) e por grandes grupos populacionais, com variação étnica suficiente para que certas susceptibilidades naturais das pessoas venham à tona.

3) Última e mais grave escorregadela: "O detalhamento desse mecanismo é a prova de que o ser humano não foi programado para carregar um amontoado de células de gordura. É antinatural, herança dos piores hábitos da vida moderna", diz o texto.

Hmmmm... OK. Defina "programado". Do ponto de vista da seleção natural, faz todo sentido estarmos PROGRAMADOS, sim, para desejar comida "gorda" e ter um metabolismo sovina, mão-de-vaca, que fará de tudo para acumular a energia advinda dessa comida, porque evoluímos num ambiente em que esse tipo de alimento era precioso e escasso, podendo fazer a diferença entre a vida e a morte.

Achar que uma "bala de prata" qualquer vai vencer de goleada 4 bilhões de anos de bioquímica teimosa é precipitado -- e, até prova em contrário, simplesmente errado. A principal vítima desse erro é o público, que provavelmente seria mais bem informado se soubesse um pouquinho mais sobre a complexidade do nosso maquinário biológico, em vez de ler sobre uma nova maravilha farmacêutica que pode se tornar bem menos maravilhosa nos próximos meses e anos.



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